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Especialistas orientam sobre cuidados com pessoas em depressão
Última atualização: 20 de Setembro de 2019 - 20:02

Em algum momento da vida vamos ouvir de alguém próximo o desejo de não continuar vivo. Muitas vezes essa afirmação é feita sutilmente. Um simples “eu não aguento mais” pode ser um sinal de alerta.

Segundo o Ministério da Saúde, foram registradas, só em 2016, 11.433 suicídios no Brasil (uma média de 31 casos por dia, sem contar os casos não registrados), sendo a segunda principal causa de morte entre jovens entre 15 e 29 anos. No Amazonas, segundo dados da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS-AM), de 2016 a 2018 ocorreram 628 mortes desse tipo no Estado. Embora o tema ainda seja considerado um tabu, a orientação e a conscientização podem salvar muitas vidas.

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Na noite do dia 1° de setembro, o engenheiro químico Lucas Cardoso, 25, perdeu um amigo para o suicídio. “O meu amigo sempre reclamava dos relacionamentos amorosos dele que não iam pra frente. Eu sempre brincava dizendo que o amor da vida dele era eu, só pra descontrair, mas eram conversas que eu considerava normais, sabe? Não parecia que ele uma hora iria se suicidar. Ele era extremamente simpático e cativava todo mundo. Não demonstrava desânimo quando a gente saía ou conversava em grupo”, recorda.

O jeito descontraído como o amigo se queixava das decepções amorosas e do desemprego não levantou qualquer suspeita em Lucas de que, por dentro, ele enfrentava uma grande tormenta psíquica. Gay, aceito pela família, 30 anos, muitos amigos, simpático e uma vida social intensa. Tudo parecia normal na vida daquele jovem.

“Um amigo em comum foi quem me deu a notícia da morte dele. Foi um choque. Fiquei dois dias sem dormir. Ele não parecia estar chateado com algo na última semana. Conversava com ele todos os dias. E por mais que ele falasse das frustrações dele de uma maneira descontraída, ele não demonstrava ser uma pessoa depressiva”, disse ele, que está fazendo psicoterapia para lidar com o luto.

A sensação de impotência (e até mesmo de culpa) pode acometer alguém que perdeu um amigo próximo ou familiar dessa forma. Mas o que podemos fazer para ajudar quando alguém dá sinais claros de que deseja dar um fim na própria vida? De acordo com a médica psiquiatra Alessandra Pereira, especialista em suicidologia, a melhor (e mais eficaz) forma de ajudar alguém nessa situação é, após um acolhimento inicial, procurar tratamento psicológico ou psiquiátrico especializado imediatamente.

“Provavelmente o indivíduo não tem forças naquele momento para tomar nenhum tipo de atitude. Portanto, procure os profissionais, agende, leve e acompanhe nas consultas. Converse com os amigos e familiares, e forme uma rede de atenção contínua, com um revezamento entre o grupo para que esta pessoa nunca fique só”, orientou.

“Se você quer ajudar alguém que ama e que está pensando em morrer, ame e aja. A superação passa pela composição da própria palavra “super”, de muito, e “ação”, de fazer algo. Faça muito por quem se abandonou e não está conseguindo ter nenhum tipo de atitude consigo mesmo. Sentir-se amado e compreendido fará uma grande diferença”, disse Alessandra Pereira.

Fatores de risco

Alguns dos principais fatores de risco para o suicídio são: transtorno psiquiátrico sem tratamento adequado; história familiar; desesperança; impulsividade; ser do sexo masculino; ser alvo de discriminação ou rejeição dentro da própria família (muito comum entre jovens gays, lésbicas, bissexuais ou transsexuais); desempregado; estar enfrentando alguma doença física de árduo tratamento e; traumas na infância, principalmente abuso ou negligência.

É preciso demonstrar respeito e comprensão

*Perguntas do tipo ‘como você está se sentindo’ e ‘o que posso fazer por você’ são maneiras de estimular que alguém fale sobre problema
É preciso demonstrar respeito e compreensão

*Se colocar no lugar de escuta é essencial para que a pessoa possa se sentir à vontade para desabafar sobre algo tão íntimo. Uma maneira de estimular que a pessoa fale é através de perguntas abertas, do tipo, “como você está se sentindo?” ou “o que posso fazer por você?”. Nessa abordagem, é preciso ter cuidado para não minimizar o sofrimento alheio considerando que as razões pelas quais ele sofre são bobagens. Demonstrar respeito e compreensão diante da dor do outro pode salvar uma vida.

*O Centro de Valorização da Vida (que atende nacionalmente pelo número 188), principal serviço de apoio psicológico do Brasil, enfatiza que a escuta empática e o acolhimento sem julgamento se mostram como uma das estratégias mais eficazes de prevenção.

A psicóloga Luziane Costa, membro da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (de sigla ABEPS), evoca as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) a respeito da maneira mais adequada de acolher alguém que demonstra ideação suicida

“É preciso ouvir a pessoa atentamente, com calma. Entender os sentimentos dela (ter empatia). Transmitir mensagens não verbais de aceitação e respeito, e expressar respeito pelas opiniões e pelos valores da pessoa. Ter uma conversa honesta e ao mesmo tempo demonstrar preocupação, cuidado e afeição são essenciais”, ensina a especialista.
para se evitarContudo, ao mesmo tempo, alguns comportamentos devem ser evitados nesse acolhimento inicial, como interromper a pessoa frequentemente enquanto ela estiver desabafando ou ficar muito chocado e emocionado com o que ela está confidenciando para alguém.

“Fazer o problema da pessoa parecer trivial, tratar a pessoa como se ela estivesse numa posição inferior, emitir julgamentos de certo ou errado, fazer perguntas indiscretas ou se limitar a dizer que tudo vai ficar bem são outros comportamentos a serem evitados quando vamos acolher alguém que está pensando em se suicidar”, orienta Luziane Costa.

Mesmo assim, não há uma fórmula pronta para saber se uma pessoa se encontra em intenso sofrimento psíquico. Lembra do amigo do Lucas, que demonstrava insatisfação com a vida por meio de comentários risonhos? Pois é: no final das contas, estar atento às materializações verbais de sofrimentos internos feitos por quem está próximo de nós e logo oferecer ajuda pode fazer toda a diferença.

Falta mais do poder público

Para a médica psiquiatra Alessandra Pereira, a ação de prevenção que mais tem impacto na redução dos casos de suicídio é a identificação do transtorno mental presente no indivíduo com ideação suicida e o tratamento adequado. Essa ação, segundo ela, só poderá ser implementada quando o poder público oferecer assistência em saúde mental de qualidade e em quantidade suficiente para a população.

“O poder público falar de ações de prevenção ao suicídio e não haver melhora na assistência é fingir que se importa, mas sem oferecer a principal forma de prevenção e redução dos indicadores alarmantes que nosso País apresenta. Tentativa de suicídio é uma emergência médica. Sem o tratamento adequado, que envolve a intervenção farmacológica, o indivíduo está sendo privado do seu direito constitucional de acesso à saúde de forma integral como preconiza o Sistema Único de Saúde (SUS)”, destacou a especialista psiquiatra.