A Saúde está treinada desde a Copa de 2014’, garante diretor do Tropical
Última atualização: 27 de Fevereiro de 2020 - 15:50
O coronavírus não é do tipo de assunto que impressiona o médico infectologista Marcus Vinitius de Farias Guerra, 71. Mais por força do ofício, não por desdém. Até porque ele tem acompanhado de perto a dimensão da doença que tem assustado o mundo todo; tanto que consegue traçar um panorama do “novo vírus” (Covid-19) em tom professoral.
Contudo, do alto de sua vasta experiência com doenças tropicais, ele é categórico ao afirmar que “temos os nossos grandes problemas” para lidar na região, como a dengue, a malária e a síndrome respiratória aguda grave (SRAG). Mesmo assim, caso surja um caso suspeito no Amazonas, ele assegura que os agentes da Saúde já sabem qual protocolo seguir.
Formado pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e com especialização em Medicina Tropical pela Universidade de Brasília (UNB), Guerra ocupa o cargo de diretor-presidente da Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado (FMT-HVD) desde 2017. Foi em seu gabinete que ele conversou com A CRÍTICA.
O novo coronavírus tem assustado muita gente ao redor do mundo pela forma como se espalhou tão rápido na China e pelo número de mortes registradas. Diante disso, poderíamos considerar as doenças de hoje mais perigosas e letais?
O que temos hoje são doenças emergentes. A família do coronavírus já existe há milhares de anos. O que ocorre é que o vírus se adaptou e passou de um animal para o homem. Não há surpresa nisso, pois os animais têm uma genética parecida com a dos humanos (cérebro, pulmão, rins, estômago). O problema é a proximidade que você tem com aqueles que são “reservatórios” de vírus. No caso do coronavírus, que é novo e tem causado um número grande de pacientes, os cientistas não têm tido tempo de juntar os dados para dizer com firmeza os “padrões de comportamento” da doença. A prioridade tem sido atender as pessoas doentes e selecionar os casos mais graves para adotar medidas de prevenção.
Os agentes de saúde do Amazonas receberam algum treinamento especial para lidar com um possível caso de coronavírus no Estado? Se surgisse algum caso suspeito, quais seriam os mecanismos usados para diagnosticar a doença?
As pessoas da área da saúde estão treinadas desde a Copa do Mundo de 2014 [quando Manaus foi uma das subsedes]. Na época tinha um protocolo para que o setor pudesse atender qualquer caso de emergência, inclusive ligados a atos terroristas, que vai das vestimentas adequadas até a linha de transporte dos pacientes. Se ocorrer um caso de coronavírus, os agentes de saúde saberão o que fazer, qual material coletar, como deve embalar e a quem enviar.
Três laboratórios estão habilitados para receber este material: a Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, o Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, e o Instituto Evandro Chagas (IEC), no Pará. No Amazonas, o Hospital e Pronto-Socorro Delphina Aziz [na Zona Norte de Manaus] está pronto para receber um paciente com sintomas compatíveis com o coronavírus por ter uma infraestrutura capaz de oferecer suporte de vida, já que, até agora, não existe um antiviral.
O clima da nossa região, quente e úmido, poderia ser considerado um fator de risco a mais para que o coronavírus se espalhasse mais rápido por aqui?
Não. O clima quente não favorece o vírus. O coronavírus tem aparecido mais em países de climas mais suaves, com uma temperatura no máximo em 25 graus. O nosso clima seria até um fator “dificultador”.
A região amazônica tem uma diversificada fauna, e alguns destes animais fazem parte da dieta das comunidades tradicionais. Sendo assim, uma nova doença transmitida por animais silvestres é algo que tem preocupado as autoridades de saúde?
Temos o cuidado de sempre estar monitorando animais silvestres como, por exemplo, aqueles que os índios costumam levar para as suas casas. Até hoje não detectamos nada significante que pudesse transmitir doença para o ser humano. É um dado. Mas sabemos que alguns animais são reservatórios de vírus. Nas regiões de mata, os mosquitos dos gêneros Haemagogus ou Sabethes picam macacos com a febre amarela que, então, podem passá-la a seres humanos nas redondezas.
Estamos no período sazonal das gripes e das doenças respiratórias. Quais principais medidas as pessoas devem tomar para se prevenir?
São medidas ligadas à higiene pessoal. Lavar as mãos com água e sabão, principalmente após tocar em superfícies de uso comum. Caso esteja em um lugar onde não possa higienizar as mãos, não levá-las aos olhos, nariz e boca: portas de entrada do vírus. As pessoas que estão doentes deveriam evitar ir aos locais onde há aglomeração de pessoas para evitar a disseminação, principalmente entre o grupo de risco, crianças e idosos.
Crianças deveriam, por exemplo, se afastar da escola enquanto doentes porque a sala de aula, por ser ambiente fechado, é propício para a transmissão do vírus da gripe. Já o uso da máscara é mais indicado para quem está doente.
Após o surto de H1N1 (Influenza A) no Amazonas, ano passado, e a antecipação da campanha de vacinação contra a gripe, o que o senhor pensa de o Estado ter um calendário de vacinação diferenciado em relação ao restante do Brasil, uma vez que o período chuvoso começa primeiro na região?
Alguns fatores impedem essa antecipação. A vacina muda de um ano para o outro. O conteúdo depende de um levantamento feito no mundo inteiro em que é isolado o vírus [da gripe] predominante naquele período. A OMS [Organização Mundial da Saúde], quando tem posse desses dados, autoriza a fabricação da vacina. A produção é muito trabalhosa, pois depende de várias etapas. Sem contar o controle de qualidade depois de fabricada e a logística de distribuição nos municípios.
Sobre as doenças de vetor, como a malária, a dengue, a zika e o chinkuguya, quais foram os avanços registrados nos últimos anos no combate a essas doenças?
Em relação à malária já temos uma medicação que foi investigada e aprovada pela Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]. Estamos na fase da pesquisa para ser liberada para a população. É um medicamento em que o paciente precisará tomar uma única dose para aderir ao tratamento, bem menos que o seu similar, que são 14 comprimidos. A perspectiva com essa medicação é que menos pessoas abandonem o tratamento.
Já a dengue, como já faz um tempo que não temos um surto, nasceu e cresceu uma população mais suscetível. Então, se a doença reaparecer de modo agressivo, teremos muitos casos em crianças e pré-adolescentes, porém, claro, a recomendação é que cada pessoa continue fazendo o seu dever de tirar 10 minutos a cada semana para eliminar possíveis criadouros do mosquito ao redor da própria casa.
A erradicação dessas doenças transmitidas por mosquitos no Amazonas ainda é uma realidade distante?
Sim, porque é insano você sair matando mosquito por aí. O Aedes aegypti tem hábitos diurnos, e de dia costumamos estar fora de casa. O mosquito da malária (Anopheles) tem hábitos noturnos. O tempo de vida da fêmea do mosquito da dengue é de 50 dias. Nesse período ela pode contaminar muita gente. O Aedes aegypti tem resistência, inclusive, para atravessar o rio Negro.
Após realização de pesquisa mais alerta para a população, a contaminação do açaí pelo parasita causador da doença de chagas ainda é recorrente no Amazonas? É algo que os apreciadores do açaí devem se preocupar?
Todos eles [os produtores] devem seguir uma cartilha elaborada pela Vigilância Sanitária quanto ao manejo do açaí e a confecção do suco. As contaminações ocorreram em municípios diferentes, mais nos eixos do rio Negro, do alto Solimões e do baixo Amazonas. Em Manaus não ocorre um caso [de contaminação pelo parasita Trypanosoma Cruzi] há mais de 30 anos.
Uma das metas da Fundação de Medicina Tropical em 2019 era melhorar o serviço de diagnóstico em áreas como malária, tuberculose e HIV. Essa meta foi alcançada?
O diagnóstico da malária tem sido descentralizado já que, hoje, é feito em várias partes de Manaus. A inauguração do laboratório de tuberculose está previsto para o dia 19 [de fevereiro] com um convênio com participação internacional. Houve avanços, conforme nosso relatório anual, no diagnóstico e no tratamento destas doenças.
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